Ao menos uma hora do dia de Bianca Martins, de 24 anos, é reservado para que ela se transforme em Mercy, Dva, Tracer ou Sombra. Esses são alguns dos personagens do jogo Overwatch, um dos preferidos da analista de suporte de rede, que mora na zona sul de São Paulo. Contudo, a paixão pelos games já fez Bianca passar por situações difíceis. Segundo ela, o segmento ainda é muito hostil às mulheres. “Há muita discriminação e assédio”, conta.
É por isso que, há menos de um mês, ela criou o grupo Dawn of Pink, um espaço na rede social Facebook que reúne mulheres que gostam de jogar games. Mesmo com pouco tempo desde a criação, o espaço já reúne mais de 400 integrantes. Ela também mantém a página pública OverD.vas, que reúne jogadoras e realiza eventos sobre o game Overwatch.
Além de compartilhar estratégias e organizar campeonatos, os grupos também são lugar de sororidade. “ Como regra, as meninas precisam se ajudar. Por lá não há só dicas de mapas e outros jogos, mas também falamos da vida pessoal, acolhemos umas às outras”, diz Bianca.
As mulheres já são 53,6% do público de games no Brasil, de acordo com a pesquisa Game Brasil 2017, feita pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), pela Blend New Research e pela produtora de jogos Sioux Interactive. Contudo, basta conversar com algumas jogadoras para ouvir histórias sobre preconceito e assédio. Para evitar represálias durante competições, muitas mulheres usam nomes falsos ou não dialogam com os outros jogadores ao microfone, segundo a designer de games Ariane Parra, de 28 anos.
Ariane criou a Women Up!, organização não governamental que realiza eventos para a inclusão de mulheres no mundo dos games. Um dos projetos é o Women Up Vagas, que anuncia oportunidades de emprego na área de jogos digitais. “Já somos a maioria entre os jogadores, mas o número de mulheres desenvolvedoras de games ainda é de cerca de 1% no mundo todo”, afirma Ariane.
O grupo criou a hashtag #sermulheremgames, para que jogadoras possam compartilhar relatos de machismo em amistosos e competições. “Há montagem de times femininos, mas eles não têm a mesma visibilidade de um masculino. A nossa intenção é que esse seja cada vez mais um ambiente seguro para as mulheres”, afirma a designer de games.
Igualdade. Outro grupo que reúne jogadoras é o Gangue das Calcinhas , criado em novembro de 2015 pela estudante paulistana Camila Monteiro, de 21 anos. Além de uma página no Facebook, as jogadoras também conversam pelo Whatsapp. “O grupo foi criado para juntar mulheres no game GTA (Grand Theft Auto). Era um comando, mas acabou crescendo muito! Decidi juntar garotas de todas as plataformas e que jogam todos os tipos de jogos. O que eu queria na verdade era um espaço para se sentirem à vontade”, afirma a estudante.
Camila afirma o grupo a ajudou a se sentir mais à vontade quando joga com homens. “Antigamente era terrível jogar, por isso criei o espaço. Pelo menos quando eu entro nas partidas, sou mais respeitada.”
A falta de igualdade nos campeonatos foi a motivação da analista de tecnologia Ingrid Falvfet, de 28 anos. Ela administra o CS:GO Feminino BR, dedicado às jogadoras de Counter-Strike: Global Offensive. “Há pouco tempo tivemos um campeonato em que tivemos a mesma premiação do que os homens, esse já foi um grande passo para o cenário brasileiro, porque até lá fora não temos a mesma oportunidade. Alguns jogadores não queriam que a premiação fosse a mesma”, diz Ingrid.
Segundo a analista, que mora no Rio de Janeiro, o CS:GO foi criado para formar uma rede de proteção para as mulheres que gostam de games. Entre outras tarefas de moderação do grupo, ela tem de retirar homens que tentam invadir o grupo com usuários falsos. “Havia grupos abertos para todos, mas várias meninas faziam denúncias de que em seus posts homens respondiam com xingamentos. O cenário mudou, mas estamos engatinhando ainda.”